Fundamentos da ética
Entendendo a ética
A ética busca administrar as encruzilhadas da vida e os conflitos da liberdade, apontando a direção reservada à construção pessoal e coletiva. Ela também visa a dois desígnios fundamentais:
- sobrepujar os conflitos inerentes ao homem e à sociedade em que está inserido
- calibrar os comportamentos pessoais e coletivos buscando o estabelecimento da vida feliz e uma sociedade justa, ou seja, o bem humano (FERREIRA, 2009, p. 10).
Ao longo da história, observam-se várias concepções éticas, externadas a partir das preocupações filosóficas, sobre como o homem deveria agir, em cada época. Na sociedade brasileira, também se identificam modelos de moral social, os quais são descritos por Rodríguez e sintetizados nos itens abaixo:
- Saber de salvação – Consistia ela na convicção de que o homem está na terra como “passando uma noite ruim numa pousada ruim”, segundo as palavras de Santa Teresa de Ávila. Por isso, o que interessava era a salvação da alma, ficando em segundo plano este mundo e a organização racional do convívio político.
- Pombalino – Essência das reformas efetivadas em Portugal por Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal. A questão da moralidade (tanto a privada quanto a pública) era função do Estado que ganhava a característica de ente moral. A problemática moral escapa, consequentemente, do foro individual ou da iniciativa de grupos sociais.
- Castilhista-getuliano – O modelo Castilhista (de Júlio de Castilhos) alicerçava-se em dois princípios: de um lado, na busca da regeneração moral da sociedade a partir de uma intervenção autoritária do Estado; de outro, na legitimação dessa presença estatal mediante o apelo à ciência. O modelo Getuliano (de Getúlio Vargas) guiou-se por dois outros princípios: o equacionamento técnico dos problemas e o da alergia antidemocrática, concretizada no slogan de inspiração castilhista: “o regime parlamentar é um regime para lamentar”.
- Messiânico-populista – Está profundamente enraizado na cultura, pois foi herdado da tradição sebastianista portuguesa. Nesse modelo, acredita-se que a corrupção, a exploração, o desespero das massas oprimidas, todos os males que o povo humilde sofre, encontrarão remédio definitivo na gesta histórica de um novo salvador que a Providência enviará.
- Salvador militar – Representado pela índole salvadora que assumiu as intervenções militares ao longo do período republicano, atribuindo um papel político-salvador às Forças Armadas.
- Patrimonialista – Não existe, na mentalidade do povo, nem na das elites, claramente definida, a linha de demarcação entre interesses familiares e aqueles pertencentes à esfera pública. Nesse modelo, o que predomina é a ideia de que a coisa pública é patrimônio familiar para ser distribuído entre consanguíneos ou amigos.
- Estetizante – Sob a ótica desse modelo, a bondade ou malícia dos atos humanos não se deduz do seu ajustamento, ou não à sociedade, mas da exteriorização, como num palco, dos próprios sentimentos.
- Totalitário – Este modelo consolidou-se ao ensejo da experiência de poder total dos grandes sistemas totalitários comunista, fascista e nacional-socialista, ou seja, predominava a convicção de que os fins justificam os meios.
- Moral social de tipo consensual – Remete-nos à necessidade de promover a educação básica, de modo que a sociedade possa discutir e decidir sobre os seus problemas morais.
Assim, a partir dessa observação pode-se afirmar que mesmo o ser humano usufruindo de racionalidade, para conviver eticamente em sociedade necessitará que seu comportamento seja orientado sobre o que é considerado certo ou errado, bem ou mal.
Essa orientação, definida por princípios éticos, direciona para que a ética e a moral possam ser consideradas como partes integrantes essenciais da vida humana. Resumidamente enquanto a ética se relaciona à teoria que conduz a ação do homem, a moral é a própria ação do homem.
Sertek (2001) afirma que a ordem social é regida pelos seguintes princípios, conforme demonstra a lista de itens abaixo:
- Solidariedade – Estimula a que cada um contribua efetivamente para o bem comum de toda a sociedade. Aplica-se às Instituições Sociais, a cada pessoa singular e a toda e qualquer organização.
- Subsidiariedade – Estimula a que cada um empregue os meios possíveis dentro do seu círculo de influência para contribuir na edificação da sociedade em que vive: cada pessoa tem o direito e o dever de ser o autor do seu próprio desenvolvimento.
- Participação – Garante a liberdade de constituir associações honradas que contribuam para com o bem comum.
Refletindo sobre esses princípios é pertinente destacar que eles contribuem para a realização plena da pessoa, pois, conforme afirmado por Sertek (2002, p. 43), a realização pessoal é proveniente da adesão e do cultivo dos princípios e valores éticos.
Entretanto, é importante ressaltar que os valores tidos como pilar à conduta humana se alteram no espaço e no tempo. De acordo com as modificações ocorridas nas condições da vida em sociedade ou nas relações de produção, sobrevirão mudanças nas exigências das normas prescritas pelo comportamento coletivo (FERREIRA, 2009, p. 8).
A ética é o conjunto de conhecimentos que, aplicados ao agir humano de forma consciente e deliberada, promove o processo de autoeducação visando à máxima realização do homem. Já a moral exige, além dos conhecimentos teóricos, a capacidade de pô-los em prática. Há necessidade de adquirir os bons hábitos (SERTEK, 2002, p. 43).
Segundo o mesmo autor, há três princípios fundamentais sobre os quais a ética se apoia: “faz o bem e evita o mal” e o outro “querer o bem do outro assim como se quer o próprio bem” e, como decorrência destes dois anteriores, “não querer um fim bom empregando meios maus”. As decisões concretas decorrentes desses princípios, aplicadas às diversas necessidades e circunstâncias da vida humana, vão gerando aprendizagem pessoal e aprimorando as qualidades pessoais.
Os valores éticos foram sintetizados por Aristóteles em seu livro Ética a Nicômaco da seguinte forma: coragem, temperança, liberdade, magnanimidade, mansidão, franqueza e justiça. Enquanto a moral relaciona-se com nossa maneira de agir, a ética nos conduz à reflexão sobre o que é certo ou errado. Por exemplo: você está sozinho, num determinado lugar, no qual pode tranquilamente subtrair um objeto que não lhe pertence; a você caberá refletir sobre o que é certo ou errado, em relação a essa situação – nesse caso você está utilizando os fundamentos da ética. A partir de sua reflexão e, consequentemente, de sua ação, será possível concluir se o seu comportamento social foi adequado – agora será usada a moral.
Para convivermos na sociedade a que pertencemos, os valores éticos mostram-se cada vez mais como a estrutura essencial para a convivência humana, pois dizem respeito às necessidades permanentes das pessoas e dirigem-se diretamente aos nossos desejos mais íntimos.
Entretanto, cabe ressaltar que a existência da consciência da diferença entre as reações que irão afetar o indivíduo ou a sociedade na qual está inserido é também condição básica da conduta ética. E a consciência moral não só reconhece essas diferenças, como julga o valor das ações e das condutas à luz de seus valores, assumindo as responsabilidades deles. Na primeira, sobressai a consciência; na segunda, a responsabilidade (MONTEIRO; CHACON, 2005, p. 8).
Leonardo Boff, em seu livro Ética e moral: a busca de fundamentos, afirma que a diferença entre ética e moral se concentra nas seguintes características:
- A ética considera concepções de fundo acerca da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e valores que orientam pessoas e sociedades.
- A moral é parte da vida concreta e trata da prática real das pessoas, que se expressam por costumes, hábitos e valores culturalmente estabelecidos.
- Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores consagrados.
A racionalidade é um ícone diferenciador do homem e permite o saber que se empenha em discernir o verdadeiro do falso. Após julgar, o homem pode escolher o seu próprio caminho de vida e essa possibilidade de escolha, ligada à consciência moral, torna-o responsável por aquilo que pratica. Portanto, a ética e a moral, apesar de possuírem concepções distintas, procuram subsidiar a solução dos dilemas humanos mais comuns. Ou seja, ambas se relacionam com uma realidade humana construída “histórica e socialmente a partir das relações coletivas dos seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem” (VERDAN, 2009).
A ética aplicada ao trabalho
Estudamos que a ética é um pensamento reflexivo sobre os valores e as normas que regem as condutas humanas. Agora, vamos entender como podemos aplicá-la no exercício de nossa profissão.
Muitos autores definem a ética profissional como um conjunto de normas de conduta que deverão ser postas em prática no exercício de qualquer profissão. Sendo assim, a ação reguladora da ética que age no desempenho das profissões faz com que o profissional respeite seu semelhante quando no exercício da sua profissão (JORGE, 2008).
Para começarmos a entender a ética aplicada ao trabalho, utilizemos a afirmação de Camargo (2001, p. 31):
A ética profissional é a aplicação da ética geral no campo das atividades profissionais, ou seja, a pessoa tem que estar imbuída de certos princípios e valores próprios do ser humano para vivê-los as suas atividades de trabalho. Portanto, a ética profissional é intrínseca à natureza humana e se explicita pelo fato de a pessoa fazer parte de um grupo de pessoas que desenvolvem determinado agir na produção de bens ou serviços.
Para Jorge (2008), as leis de cada profissão são elaboradas com o objetivo de proteger os profissionais, a categoria e as pessoas que dependem daquele profissional, mas há muitos aspectos não previstos especificamente e que fazem parte do comprometimento do profissional em ser eticamente correto, ou seja, fazer a coisa certa.
Uma classe profissional caracteriza-se pela homogeneidade do trabalho executado, pela natureza do conhecimento exigido para tal execução e pela identidade de habilitação para o exercício da profissão. A classe profissional é um grupo dentro da sociedade, específico, definido por sua especialidade de desempenho de tarefa (JORGE, 2008).
No ambiente de trabalho, podemos destacar algumas situações que demonstram falta de ética e que, portanto, não devem ser praticadas:
- Fazer comentários “pessoais” de um cliente para outro cliente ou para outro profissional da equipe.
- Falar mal da empresa e/ou de alguém da empresa para o cliente.
- Reclamar de salário ou de condições de trabalho para o cliente.
- Fazer confidências da vida pessoal para o cliente.
- Pedir algo para o cliente (favor, presente, empréstimo, etc.).
- Avançar o limite saudável entre relação “amistosa” com o cliente para uma relação próxima e privada.
- Ficar passivo e/ou concordar com críticas feitas a colegas e/ou a procedimentos da empresa.
- Utilizar mala direta da empresa e/ou dados do negócio para fins particulares.
- Usar, para fins particulares, materiais da empresa (papel, impressora e outros).
- Usar telefone da empresa, sem reembolsar posteriormente as despesas, para responder recados de celular particulares, para ligações interurbanas, etc.
- Fornecer cartão particular em eventos em que está atuando como funcionário da empresa.
- Usar internet para fins particulares, sem autorização.
Somos responsáveis por aquilo que fazemos e isso é inquestionável. Entretanto, quando representamos uma classe profissional devemos seguir as normas estabelecidas em seu Código de Ética.
Caso não haja um Código de Ética estabelecido, podemos usar da seguinte postura: se queremos saber se uma atitude nossa, no ambiente de trabalho é ética, questionemos a nós mesmos se ela atende ao bem comum; se a resposta for sim, a ética está prevalecendo. Ao contrário, se somente um dos lados for favorecido, o comportamento não está obedecendo aos princípios éticos.
Pode-se entender como bem comum, em uma empresa, aquela atitude ou comportamento que: é bom para a empresa e para o cliente; é bom para empresa e para os seus colaboradores; é bom para a empresa e para a sociedade.
Segundo Monteiro e Chacon (2005, p. 8), a existência da consciência da diferença entre as reações que irão afetar o indivíduo ou a sociedade na qual está inserido é condição básica da conduta ética. E a consciência moral não só reconhece essas diferenças, como julga o valor das ações e das condutas à luz de seus valores, assumindo as responsabilidades deles. Na primeira, sobressai-se a consciência; na segunda, a responsabilidade.
Do artigo de Monteiro e Chacon (2005, p. 10) extraímos a seguinte afirmação: “normalmente as classes profissionais possuem um instrumento regulador da conduta de seus membros e destes com a sociedade, formando um conjunto racional, com a finalidade de estabelecer linhas ideais éticas”.
Segundo essas autoras, podemos considerar o Código de Ética Profissional como uma relação das práticas de comportamento que se espera sejam observadas no exercício da profissão, visando ao bem-estar da sociedade, de forma a assegurar a franqueza de procedimentos de seus membros dentro e fora da organização.
O não cumprimento desse Código pode resultar em sanções executadas pela sociedade profissional, como censura pública e suspensão temporária ou definitiva do direito de exercer a profissão.
Lemos (2009) elencou alguns tópicos que compreendem a ética em informática:
- Utilização de Software livre/proprietário/pirata.
- Acesso não autorizado a recursos computacionais.
- Direitos de propriedade intelectual.
- Desenvolvimento de sistemas.
- Confidencialidade e privacidade dos dados.
- Manipulação de dados e informação.
- Conteúdo de sites e comércio eletrônico.
Torna-se pertinente destacarmos a afirmação desse mesmo autor em relação à ética na informática:
Apesar de muitos dizerem que não temos um Código de Ética regulamentado e sacramentado através de um Conselho de Informática, é possível seguir algumas diretrizes de organizações internacionais e nacionais. Pode ser citado a ACM e o Instituto para Ética da Computação que criaram alguns mandamentos, ao qual podemos chamar de um pequeno Código de Conduta para Área de Informática (LEMOS, 2009, p. 46).
Segundo Lemos (2009), o Código de Conduta para área de Informática recomenda:
- Evitar danos a terceiros.
- Conhecer e respeitar as leis existentes, relativas ao trabalho profissional.
- Respeitar a privacidade de terceiros.
- Ser honesto e digno de confiança.
- Articular a responsabilidade social de membros de uma organização e encorajar a aceitação completa das suas responsabilidades.
- Não interferir no trabalho de computação de outra pessoa.
- Não interferir nos arquivos de outra pessoa.
- Não usar o computador para roubar.
- Não usar o computador para dar falso testemunho.
- Não usar software pirateado.
- Não usar recursos computacionais de outras pessoas.
- Não se apropriar do trabalho intelectual de outra pessoa.
- Refletir sobre as consequências sociais do que escreve.
- Usar o computador de maneira que mostre consideração e respeito ao interlocutor.
Observando o Código de Conduta para área de Informática, podemos concluir que as recomendações nele contidas abrangem tanto o profissional quanto o usuário de informática. Entretanto, esse Código não possui força de lei, ou seja, não é regulamentado e funciona somente como uma recomendação.
No Brasil, a comunidade científica da computação vem discutindo a questão da regulamentação da profissão de Informática mesmo antes da criação da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), em 1978.
Entretanto, apesar de o profissional de informática ainda não possuir um Código de Ética que regulamente suas atividades laborais, isso não o exime das responsabilidades legais, estabelecidas nas normas do Direito, perante as ações realizadas quando no exercício de sua profissão.
Direito é um conjunto de normas que devem ser seguidas pelos cidadãos. No caso de descumprimento, o próprio direito estabelece punições (sanções). São regras obrigatórias estabelecidas para todos pelo Estado. Por exemplo, quando estamos dirigindo um veículo, devemos seguir as regras estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro. No caso de violação das regras, estaremos sujeitos a multas e punições (MOITA, 2008, p. 17).
Atualmente, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei no 607/2007, o qual dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão de Analista de Sistemas e suas correlatas (incluindo Técnico de Informática) e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Informática.
No referido Projeto de Lei, em seu artigo 31, publicado no Diário Oficial do Senado, em 24 de outubro de 2007, encontramos as seguintes infrações disciplinares que estão sujeitas à aplicação de penalidades:
- Transgredir preceito de ética profissional.
- Exercer a profissão quando impedido de fazê-lo, ou facilitar por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos ou impedidos.
- Praticar, no exercício da atividade profissional, ato que a lei defina como crime ou contravenção.
- Descumprir determinações dos Conselhos Regionais ou Federal de Informática, em matéria de competência destes, depois de regularmente notificados.
- Deixar de pagar, na data prevista, as contribuições devidas ao Conselho Regional de Informática de sua jurisdição.
Independentemente de existir ou não regulamentação do exercício profissional em informática, o que devemos entender é que a ética é imprescindível para a vida e o respeito a ela deve ser evidente no exercício de qualquer profissão.
O valor profissional, ressaltado por Monteiro e Chacon (2005, p. 10), deve estar ligado a um valor ético para que exista uma completa imagem de qualidade. A profissão que dignifica o indivíduo por sua correta aplicação pode também levar ao desprestígio pela conduta inadequada, pela ruptura dos princípios éticos.
Assim sendo, devemos estar atentos a qualquer ação que possa de alguma forma prejudicar a coletividade ou a si mesmo.
As mesmas autoras ressaltam que deve estar claro que um conjunto mínimo de valores é necessário, porém não suficiente, para assegurar a coexistência dos seres humanos – em nível pessoal, familiar, profissional, comunitário, nacional e internacional e que, por isso, esse conjunto mínimo precisa ser identificado a fim de tornar possíveis as análises de abusos e de contravenções.
Resumo
A ética deve ser o eixo norteador das ações realizadas pelas organizações e pelos membros que as compõem. Em virtude disso, as empresas e as classes profissionais regulamentadas definiram manuais e códigos de ética que indicam a melhor forma de agir, dentro do ambiente organizacional. A área de informática ainda não dispõe de lei que regulamente o exercício profissional e, consequentemente, não tem estabelecidas as normas de conduta que deverão ser seguidas. Entretanto, como discutimos nesta Aula, essa situação não exime os profissionais, que atuam na área de informática, de respeitarem a postura ética e legal durante o exercício de sua profissão.
Fim da Aula 07